O sistema de saúde brasileiro está em crise? Está respirando com a ajuda de aparelhos?
Os prejuízos bilionários acumulados no mercado de saúde suplementar são um reflexo dessa crise e têm sido motivo de discussões prolongadas sobre o setor.
Para entender melhor o cenário, é importante considerar que a saúde suplementar abrange a operação de planos e seguros privados de assistência médica à saúde. Esse segmento é regulamentado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e, a partir do final dos anos 90, passou a ser regulado pelas Leis nº 9.656 e 9.961.
Considerando que estamos em meados de 2023, alguns pontos importantes merecem destaque:
- Houve uma retomada ao patamar de 50 milhões de beneficiários da saúde suplementar, o que indica uma possível recuperação do setor após períodos de instabilidade;
- As operadoras enfrentaram um prejuízo recorde em 2022, ultrapassando os 10 bilhões de reais. Esse cenário reflete a dificuldade financeira que o setor vem enfrentando;
- As taxas de juros estão altas, e o país enfrenta uma crise financeira em curso, o que pode impactar ainda mais a situação das operadoras de planos de saúde, das empresas contratantes dos planos e dos beneficiários;
- Mais de 70% dos segurados estão em planos empresariais, o que ressalta a importância desse segmento para o mercado de saúde suplementar;
- Variação do números de vidas dos planos de saúde na última década, conforme dados abaixo:
Os dados mencionados são publicados mensalmente pela ANS por meio de suas ferramentas de monitoramento de mercado.
Não podemos ignorar o dilema do envelhecimento da população, aumento da expectativa de vida, aumento dos custos da assistência, variação cambial e outros fatores. Todos esses elementos contribuem para o aumento dos custos médico-hospitalares, que estão cada vez mais elevados.
O acesso à saúde é extremamente caro. De acordo com dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma prévia do censo realizado em 2022 registrou uma população de 203 milhões de brasileiros. Em resumo, os planos de saúde suplementar atualmente conseguem atender a pouco mais de 20% da nossa população.
E quanto aos custos dos planos de saúde?
Você, que está lendo esta publicação, pode ter perdido o acesso a um plano de saúde em algum momento da vida, seja por motivos financeiros ou por ter sido demitido do trabalho. Os custos desse produto são reajustados anualmente, tanto para planos individuais como coletivos.
E os custos com a assistência médica?
Segundo dados do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), a Variação do Custo Médico-Hospitalar (VCMH/IESS) entre 2021 e 2022 foi de 23%. Além disso, o modelo assistencial e o sistema de remuneração dos serviços de saúde representam grandes desafios para o setor. O modelo atual de assistência não segue uma abordagem preventiva.
E quanto aos dados de saúde dos pacientes? Eles estão descentralizados e formam os diversos prontuários presentes nos diferentes serviços de saúde que utilizamos para tratamentos e diagnósticos.
Temos também os modelos de remuneração, sendo o fee for service o mais conhecido, muitas vezes visto como vilão do setor, também chamado de “conta aberta”.
Os incentivos existentes nas relações entre os agentes de saúde também representam grandes desafios na área da saúde. Esse problema resulta em outra estatística preocupante do setor: o desperdício de serviços consumidos desnecessariamente.
Discussões como essas também sempre trazem à tona um sonho que parece utópico ou distante: o prontuário único. Com essa ferramenta, os dados de saúde da população estariam disponíveis para vários estabelecimentos de saúde, incluindo anamneses de diferentes especialistas, resultados de exames e uso de medicamentos.
Estudos realizados pela DRG Brasil e o IAG Saúde, em 2021, apontam que o desperdício no sistema de saúde chegou a 53%. Ou seja, devido aos incentivos, ao modelo assistencial, à descentralização das informações de saúde do paciente e à polêmica judicialização, há um número significativo de exames que os pacientes não buscam seus resultados.
Todo esse cenário é discutido em detalhes no livro “A saúde dos planos de saúde”, de 2014, escrito por Drauzio Varella e Maurício Ceschin. Essa leitura aborda os problemas da saúde suplementar, que em 2023 continua enfrentando os mesmos desafios, além de uma pandemia em curso afetando esse sistema.
Saúde preventiva? Revisão dos modelos assistenciais? O excesso de prestadores de serviços no mercado? Todos esses temas são discutidos em profundidade no livro, sempre provocando reflexões sobre o sistema assistencial de saúde e os responsáveis pelo “pagamento da conta”.
Com tantos problemas, como podemos vislumbrar uma solução para esse cenário?
De acordo com Adriano Londres, autor do livro “A culpa é do dono”, as empresas que contratam planos de saúde como benefício para seus colaboradores deveriam assumir um papel de destaque nesse sistema, uma vez que 70% dos segurados da saúde suplementar estão em planos empresariais.
As empresas são grandes garantidores e poderiam participar de discussões nacionais sobre os desdobramentos desse sistema, que está se tornando cada vez mais caro e de difícil acesso.
As duas obras mencionadas abordam a coparticipação como uma ferramenta pedagógica. Afinal, a famosa “dor no bolso” pode evitar o uso desnecessário do plano, ao mesmo tempo em que impede que pessoas com orçamento limitado consigam aderir ao plano oferecido pela empresa em que trabalham.
E quanto aos modelos de prevenção à saúde? Estamos ouvindo muito sobre a atenção primária e sua importância na assistência mais próxima ao paciente, em um sistema inteligente, com um prontuário único que possa ser acessado por profissionais exclusivos desse ecossistema.
Interessante? Sem dúvida!
Mas por que a verticalização na saúde suplementar não pode seguir o mesmo raciocínio, principalmente na inclusão de pacientes em programas internos de saúde?
Não podemos esquecer do tão sonhado prontuário único. Uma iniciativa que poderia começar pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e ser seguida pela saúde suplementar. Seria um caminho a seguir?
A ANS implementou na saúde suplementar vários padrões em relação às informações trocadas entre prestadores e planos de saúde. Um deles é o padrão TISS (Troca de Informações na Saúde Suplementar), que se tornou obrigatório para o registro de informações entre esses agentes.
Para a unificação do prontuário, não deveria existir um padrão TISS para a padronização de resultados, laudos e imagens?
Do ponto de vista dos profissionais médicos, laboratórios e radiologistas, essa padronização poderia interferir na assistência? Essa discussão é complexa, mas alguma ação é necessária para que todos os agentes possam contribuir para a solução.
O problema está claro, e a solução precisa ser encontrada. Caso contrário, teremos ainda mais desperdício e cada vez menos pessoas serão atendidas pela saúde suplementar.
Vamos continuar esperando para ver?