Introdução ao tema “Valor em Saúde”: Uma reflexão entre a teoria e a prática

  • Post publicado:7 de setembro de 2023

Por: Profª Kehone Miranda

Sejam bem-vindos a esta reflexão e, se permitam mergulhar em dúvidas para a crítica e para a ação, sobre esse tema que, ao meu ver, faz muito sentido, o que antecipo agradecimento pela sua leitura.

O tema “Valor em Saúde” se propõe a compreender, como o relacionamento entre profissionais, empresas/serviços de saúde e pacientes, tem evoluído para melhor. Sem romantizar, mas desde 2013, observo que na área da saúde, há melhorias sim, embora em passos lentos. Pensem que essas melhorias chegam em nosso país, com um atraso de aproximadamente 20 anos, em comparação com países como Hong Kong, Coréia do Sul, Estados Unidos, entre outros. É evidente que atender melhor as necessidades dos pacientes e melhorar a eficiência dos sistemas de saúde é um tema básico e fundamental, mas, na prática, ainda não consigo enxergar garantias de que os recursos públicos e privados são utilizados da forma mais eficaz. Ademais, o como fazer ainda é um trabalho desafiante para cada cabeça pensante em cada serviço.

Neste contexto, o conceito de valor em saúde desempenha um papel crucial, refletindo a relação entre os resultados alcançados na assistência à saúde e os custos associados a esses resultados. Resumidamente, busca-se entender como os recursos investidos em saúde se traduzem em benefícios para os pacientes e a sociedade como um todo. Fui clara? Esse conceito vai além da simples redução de custos e, se concentra em melhorar a qualidade e a eficácia dos cuidados de saúde.

Frente a isso, é desagradável, mas preciso pontuar que temos profissionais despreparados, mal remunerados e que se desmotivam dentro de um sistema que tem como premissa cuidar, mas, na verdade, também em lucrar com a dor, isso é nítido em muitos casos que vivenciei e que a mídia também já divulgou.

Segundo Clemente Nobrega, a visão de Value-Based Healthcare (VBHC) como o caminho para tornar o sistema de saúde sustentável é amplamente compartilhada para mudar várias estratégias públicas e privadas. Essa perspectiva faz todo sentido, mas na verdade ninguém sabe como fazer “a coisa” bem feita ainda. Nobrega, parece acreditar ser um caminho lento para esse aprendizado. Mesmo assim, os profissionais que estiverem dispostos a aprender terão maiores chances de sucesso.

No entanto, vale a pena considerar uma outra alternativa: há alguns estudiosos, publicando na ANAHP (Associação Nacional de Hospitais Privados), argumentando que a atual conjuntura do sistema de saúde, onde todas as partes envolvidas enfrentam desafios não resolvidos, pode ser transformada em uma oportunidade de avanço significativo. Acreditam que a gestão de dados e o uso de recursos tecnológicos têm o potencial de acelerar esse processo de aprendizado na prática, criando uma mudança positiva e ágil no setor. Portanto, enquanto o VBHC é visto como uma possível solução distante para uns, outros não evidenciam tanto distanciamento assim. Considero que não devemos subestimar o papel crucial que a gestão de dados e a tecnologia desempenham no futuro sustentável do sistema de saúde mas pontuo que tudo depende de quem vai investir nessa área.

Nesse sentido, elenco alguns itens que estudei e enxergo como elementos-chave a serem considerados ao discutir o valor em saúde, sendo:

Custo-Efetividade: Alguém ou algum serviço está fazendo avaliações dos tratamentos e intervenções por meio de análises críticas e gestão de dados? Penso e vejo que sim, de maneira artesanal, mas fazemos! Ademais, pesquisei em vários artigos mundiais e nacionais e identifiquei que há ação quanto a isso. Entretanto, essas avaliações oferecem um bom retorno em relação aos recursos investidos? Não consegui identificar muitos indicadores específicos nacionais, mas vi alguns mundiais muito simplificados e superficiais. Penso que aprimorar a fonte de coleta dos dados envolve, também, uma melhoria na análise do custo-efetividade para determinar se os benefícios justificam os custos.

Além disso, é essencial compartilhar essas informações com a sociedade. Vamos pagar por produção (fee for service) ou por “cura”? Acredito, também que os indivíduos precisam saber como está o investimento do dinheiro em um mercado que lida com a vida humana, ou melhor seria dizer que lidamos com a probabilidade de morte? Quanto custa um óbito e quanto custa uma sobrevida?

Resultados do Paciente: O serviço de saúde coloca o paciente no centro das atenções e usa boas inteligências artificiais? Acredito que, na maioria das vezes, não. Isso significa que medir e melhorar os resultados que realmente importam para os pacientes, como a qualidade de vida, a sobrevida, a funcionalidade e a satisfação com o tratamento, ainda não são prioridades na mente de muitos profissionais da área hospitalar, da indústria farmacêutica, de órteses próteses e materiais especiais, bem como de outros que trabalham com o negócio saúde no Brasil e no mundo.

Qualidade e Segurança: Aqui a pergunta é: existem ferramentas e tecnologias que visam garantir que os cuidados de saúde sejam de alta qualidade e seguros? Sim, mas há fragilidade na capacitação de muita mão de obra, como analistas da área de gestão e técnicos de enfermagem por exemplo. Ou seja, é essencial disseminar conhecimento e implementar melhorias para aumentar o valor em saúde. Isso inclui a prevenção e correção de erros médicos e não médicos, a redução de readmissões hospitalares e o uso apropriado de tratamentos, evitando excessos de exames que visam apenas lucro financeiro temporário.

Abordagem de Ciclo de Vida: O serviço de saúde considera o impacto dos procedimentos e tratamento do indivíduo ao longo do tempo? Às vezes sim, às vezes não. A variabilidade nas condutas está intrinsecamente relacionada a cada profissional que executa micro atividades nessa gigantesca cadeia de cuidados! Penso que à medida que o ser humano se distancia de sua própria conexão com a vida, também se distancia da vontade de ajudar nos cuidados de saúde. Portanto, o custo e o benefício de intervenções ao longo da vida do paciente muitas vezes não são monitorados e estão nas mãos dos profissionais da linha de frente e não dos grandes dirigentes do negócio. Assim, haja variabilidade na produção, hein? E a qualidade só caindo…

Engajamento do Paciente: Há envolvimento dos pacientes nas decisões sobre seu próprio tratamento? Há evidências monitorando isso? Há histórico analisado e com periodicidade definida? Se isso ocorre em seu local de trabalho, parabéns! Isso também é valor em saúde. Acredito que esse é o fator fundamental para alcançar resultados positivos e melhorar a qualidade na prestação dos serviços.

Gestão de Populações: Aqui no Brasil, referente ao SUS, já começamos revisar políticas e investigar corrupção na saúde? Pouco se lê sobre isso! Enfim, além do cuidado individual, a gestão de populações é uma abordagem que vários autores trazem como parte do valor em saúde. É necessário controle proveniente de órgãos de saúde pública, fiscalizações, definições de novas políticas que buscam monitorar grupos de pacientes, prevenir doenças e gerenciar informações por meio de tecnologias. Se você já enxerga algum movimento desse acontecendo so seu local de trabalho, perceba que esse local está no caminho certo para agregar valor à qualidade de vida humana e, consequentemente, gerenciar melhor os gastos e investimentos.

Resumindo, nos últimos anos, o tema valor em saúde tornou-se uma prioridade tanto para os prestadores de cuidados de saúde quanto para os formuladores de políticas, operadoras e serviços à medida que enfrentam desafios como custos crescentes, falência de pequenos e médios hospitais, envelhecimento da população e a demanda por serviços de saúde cada vez mais complexos e carentes de humanização.

Ainda com um olhar muito preocupado, destaco a respeito do artigo ‘Ética e Governança da Inteligência Artificial para Saúde – Orientação da OMS’, reflito que esse estudo é como aquele amigo que sempre traz os melhores conselhos quando você está em apuros. Sim, o sistema de saúde mundial está em apuros, está colapsando, e todos sofreremos as consequências disso. Esse artigo é a bússola ética no labirinto da IA (inteligência artificial) na saúde, que está diretamente relacionada à estratégia de valor, pois sem IA não há controle/gestão de informações e dados. Em vez de nos deixar perdidos em um mar de algoritmos médicos, este artigo nos fornece um mapa claro para mergulhar com “segurança” nas reflexões e tomadas de decisões nos serviços de saúde. Mas, fica uma grande incógnita: como aplicar gestão de riscos num ambiente tão variável?

Imaginem a OMS como um sábio conselheiro de saúde global, vestindo uma bata branca de ética e segurando uma lanterna de transparência. Eles nos lembram que, ao adotar a IA na saúde, precisamos ser éticos, justos e cuidadosos. Afinal, não queremos que nossos diagnósticos médicos sejam entregues por um algoritmo ranzinza que teve um dia ruim, certo?

Permitam-me ponderar que, em meu pequeno mundo, identifico que ainda há rastros e pequenos fragmentos de evidências da prática de ética e equidade no Brasil. Mas nada muito palpável ou com escala de vendas. Risos…

Entretanto, mantenho a esperança de que existam profissionais humanos, que estão promovendo essa transformação. Talvez compartilhando e agindo mais do que falo, eu também me torne uma voz que clama pela ética no uso de tecnologias e relacionamentos em saúde, talvez me transformo num ser humano melhor e assim vou contribuindo para a concretização do tão sonhado valor.

O artigo nos recorda que a privacidade dos pacientes é sagrada, como um tesouro trancado em um baú, só pode ter acesso ao tesouro àqueles que concluíram o check-list de segurança. Ah a OMS também nos recorda que a equidade é a chave para abrir a porta de um sistema de saúde mais justo e acessível. Te lembra alguma teoria do SUS? Pois bem eles também nos aconselham a não esquecer a “segurança” do paciente. Penso que às tecnologias em saúde também precisam de um super protetor de saúde cibernético que nos mantenha a salvo de ataques de hackers. Contém ironia! Mas quem seriam os hackers? Deixo para a imaginação de vocês.

Em resumo, o artigo da OMS que mencionei é como um sopro de ar fresco, uma esperança em um campo de algoritmos fumegantes, profissionais intolerantes e busca excessiva pelo dinheiro. Não há como falar de valor em saúde sem falar da IA, essa inteligência que conectada com a inteligência emocional e demais inteligências humanas pode ser uma aliada poderosa, desde que a abordemos com responsabilidade e ÉTICA. Portanto, siga o seu coração, siga seu raciocínio, e da próxima vez que se deparar com o tema valor em saúde e um relatório produzido por uma IA, lembre-se de agradecer e de praticar o básico que aprendeu em sua graduação/faculdade.

REFERÊNCIAS:

Ética e governança da inteligência artificial para saúde 28 de junho 2021: https://www.who.int/publications/i/item/9789240029200
Acessado em 05/09/2023

Hospitalar 2023: Anahp debate saúde baseada em valor: https://www.anahp.com.br/noticias/hospitalar-2023-anahp-debate-saude-baseada-em-valor/

Texto Clemente Nobrega analisado em 11/06/2023: https://www.linkedin.com/posts/clementenobrega_1n-%C3%A9-quase-un%C3%A2nime-que-vbhc-%C3%A9-o-quetornar%C3%A1-activity-7073645352557363200-eO8s/?utm_source=share&utm_medium=member_desktop